segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

SOBRE O FILME - ADVOGADO DO DIABO

"Advogado do Diabo "
Myriam Silveira Vianna -
Membro efetivo da SBPRP
.....FALANDO DO DIABO.....
Nada é mais imundo do que amar a sua mulher como amante.
São Jerônimo 

Metaforicamente, todos nós queremos ser filhos de Deus. O Diabo também é. Mas quem de nós quer compartilhar genes fraternos com o Diabo? Mas, desejemos ou não, o escuro, a sombra, o mal nos habitam junto com o bem.

O filme “O Advogado do Diabo” leva-nos a refletir  sobre a coabitação destes aspectos aparentemente divergentes dentro de nosso psiquismo. A mãe de Kevin canta na igreja sejamos inocentes do mal, desprezando esta força que ela já conhece, pois se deixou seduzir e engravidar pelo Diabo. Mary Ann, no bar, festejando a absolvição do pedófilo, triunfo de seu marido advogado, impede que Kevin dê atenção à pergunta do repórter (diabólico) sobre seus sentimentos por ter absolvido um criminoso. Esta negação começou a lhe custar, a longo prazo, seu enlouquecimento e finalmente, de forma trágica,  a própria vida. Fica a pergunta: de fato, dá para ser “inocente” do mal? Não é mais lucrativo conhecer o inimigo com quem  dormimos e acordamos, desde o nascimento até a morte? Através do conhecimento de nossos aspectos internos benignos e malignos não conseguiremos uma administração mais confortável para nossas vidas? 
Para simplificar, falemos do Diabo como símbolo da malignidade humana. No filme, o Diabo é advogado, um expert em leis para melhor burla-las. Rico e sedutor, se deixa subestimar. Milton (“Paraíso Perdido”) diz: Sou subestimado desde o primeiro dia (day one, o da Criação) e avisa: Sou uma surpresa, ninguém me vê chegando
O Diabo não tem pressa, não dorme (não há quarto com cama em seu luxuoso apartamento de cobertura) e nada o detém na obtenção de seus objetivos, nem assassinato, incesto, etc. O imenso arsenal da imoralidade e da amoralidade está a seu dispor.
Mas... o diabo também fala verdades. Por exemplo, quando diz a Kevin que abandone o julgamento de Alex e vá cuidar de Mary Ann enlouquecida, que não se ganha sempre, que há hora de perder. Só que aí ele não é ouvido. Kevin racionaliza e quer ganhar a qualquer preço. Outra verdade dita pelo Diabo: Sou fã do homem, nunca o rejeitei pelas suas imperfeições
Como se vê, as verdades são ditas astuciosamente. A virtude do Diabo é a sua astúcia.Como ele diz em duas ocasiões: A vaidade é meu pecado preferido. E basta olharmos ao nosso redor, e principalmente dentro de nós, com bastante honestidade, para sabermos que esta é outra verdade do Diabo. 
Inúmeras são as questões a serem levantadas a partir deste filme. Quero porém, me deter na questão do feminino, melhor dizendo, da demonização do feminino. Chrystabella aceita divertidamente os carinhos incestuosos do diabólico pai e a relação sexual com o meio-irmão para gerar o Anti-Cristo. Mary Ann, com toda sua doçura, desempenha parte fundamental na primeira recusa de Kevin em refletir sobre o triunfo no tribunal que levou à absolvição do professor pedófilo; e no final do filme, quando cria-se uma segunda chance de condenar este professor,  aparecendo o jornalista propondo a entrevista do momento: um advogado que abandona um caso durante o julgamento. Mary Ann apóia a realização da entrevista: Você é um astro!,afirma o jornalista, e Milton termina: A vaidade é meu pecado preferido... 
Então, são duas mulheres aliadas ao Diabo, mais as personagens Pam, Diana, Jackie e a mentirosa Melissa. Por que esse ranço da demonização do feminino no segundo milênio?
Carlos Roberto Figueiredo Nogueira, professor de História Medieval da USP, em seu livro O NASCIMENTO DA BRUXARIA escreve: [Na Idade Media,] Satã e seus demônios constituem ameaça cotidiana tramando para a perdição dos homens, sobre os quais paira a terrível angústia dos tormentos da perdição eterna. E sua vítima, por excelência é a mulher, cujo pendor para o Mal possuía uma longa tradição. No Antigo Testamento, encontramos no Eclesiástico: Toda a malícia é leve comparada com a malícia de uma mulher (25-26). E para a Antiguidade Clássica, a cultura grega nos fornece o mito de Pandora, um presente dado aos homens por Zeus: Um mal em que todos se deleitarão em rodear de amor para a sua própria desgraça. E Estourou de rir.
Deste modo, o Cristianismo constitui-se em herdeiro de uma confluência de tradições misóginas, em particular as fornecidas pelo mundo greco-romano, que relegavam a mulher à condição de um ser frágil e tutelado, indigno de exercitar a sua cidadania e privada da companhia dos homens, restando-lhe apenas a sublime tarefa de trazer ao mundo os varões de que necessitava a polis para garantir a sua continuidade.
A mulher era a introdutora do pecado, o Janua diaboli, o portão por onde entra o demônio; pelo menos como era vista pelos primeiros padres da Igreja, responsável direta pela condenação dos homens aos tormentos deste e do outro mundo, constituindo assim a mulher como vítima e ao mesmo tempo parceira consciente do Diabo.
Pelo peso de séculos carregando e arrastando este estigma, creio que é possível compreender que ainda permaneça ranço dele em pleno século XXI, mesmo que hoje saibamos à luz da Psicanálise o quanto de inveja masculina mobiliza o gestar e dar à luz outro ser humano, o que, por enquanto, é função exclusivamente feminina. Mas também à luz da Psicanálise, sabemos da inveja feminina mobilizada pelas capacidades masculinas. 
Falando de inveja e capacidades, voltamos à questão inicial do bem e do mal que nos habitam. Gostaria de terminar com uma mensagem que circula na Internet: Um pajé experiente e sábio, certa vez descreveu seus conflitos internos: dentro de mim existem dois cachorros, um deles é cruel e mau, o outro é muito bom e dócil.Os dois estão sempre brigando. Quando então lhe perguntaram qual dos dois cachorros ganharia a briga, o índio parou, refletiu por alguns instantes e respondeu: - Aquele que eu alimentar melhor.
Myriam Silveira ViannaMembro efetivo da SBPRP
sbprp.org.br 



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