A grande dor causada pelo neoliberalismo
A melhor maneira de estimular a economia é dar um giro de 180º, acabando com as reformas contraproducentes que foram impostas à população.
instituições financeiras, em vez de pagar juros pelo dinheiro que o cidadão deposita no banco, cobram do mesmo para guardar esse dinheiro. É o que chamam de juros negativos. Você se perguntará: por que o fazem? E a resposta a essa pergunta varia de acordo com o economista que responde. As chamadas “ciências econômicas” não são tão científicas como a maioria da população acredita.
Uma resposta muito frequente é a de que existe hoje no mundo muitíssimo dinheiro. Na verdade, há tanto dinheiro que não se sabe o que fazer com ele. E, para os ricos, é mais seguro ter o dinheiro depositado no banco que debaixo da almofada da sua casa. A resposta tem certa lógica. Mas o que você faria se tivesse muito dinheiro seria, em vez de colocar o dinheiro debaixo da almofada ou num banco? Tentaria utilizá-lo bem, investindo, comprando propriedades que gerassem renda agora ou num futuro a médio ou longo prazo, aumentando o consumo. Isso é precisamente o que a maioria dos economistas também dirá. Já que o maior problema das economias desenvolvidas é a escassa demanda, parece lógico que se tomem medidas para aumentar o consumo. As autoridades públicas tentam fazer com que, no lugar de guardar o dinheiro, as pessoas utilizem esses recursos comprando. É importante, portanto, que os bancos, em vez de forçar a barra com os juros sobre os depósitos, incrementando a poupança.
Essa explicação parece lógica, mas há um grande problema: assumir que não se está conseguindo aumentar o consumo no país – seja porque não há suficiente dinheiro em circulação, o que é não é verdade, mas é difícil de explicar. Em realidade, os bancos centrais, incluindo o BCE (Banco Central Europeu), vem imprimindo mais e mais dinheiro (bilhões de novos euros em circulação. No entanto, a economia permanece estancada. Para dizer a verdade, os bancos já chegaram a entregar empréstimos com juros negativos, durante muito tempo. Se os juros do dinheiro que você deposita no banco são mais baixos que a inflação (que é o que aconteceu durante bastante tempo), você está perdendo dinheiro no depósito bancário.
Por que a política monetária é dramaticamente insuficiente?
O grande erro dos talibãs neoliberais está aí. Acreditar que a economia pode se tornar a base da quantidade de dinheiro que há no mercado (que depende, entre outros fatores, da quantidade de dinheiro que o Banco Central imprime, que é o que se chama política monetária) é estar profundamente equivocado. Isso não quer dizer que seja completamente errôneo. Há um elemento de verdade, mas só um elemento, e agora é um elemento muito pouco importante. O que não quer dizer que os bancos não puderam ajudar no estímulo da economia. Mas, hoje, a banca privada não o faz. O Banco Central deveria dar (a juros muito baixos) dinheiro aos Estados (uma quantidade que possa ser regulada), para que os mesmos possam, com esses recursos, apoiar diretamente as famílias e as pequenas e médias empresas. Mas não o fazem, porque preferem fazer tudo através da banca privada, que utiliza a maior parte desse dinheiro para fins especulativos.
Não o fazem, e não é porque os banqueiros sejam pessoas ruins (embora muitos pensem que sim, porque são avarentos e não sempre honestos com seus clientes), mas sim porque a rentabilidade do investimento é muito maior na especulação que no que se chama investimentos produtivos (na produção de bens e serviços). Além disso, não confiam nas pequenas e médias empresas, pois as vê como pouco seguras. Em outras palavras, o problema não é a falta de dinheiro mas sim os canais pelos quais são distribuídos tal dinheiro. Na verdade, as grandes empresas nunca tiveram tanto dinheiro, mas também enfrentam um grande problema: não há onde depositá-lo. Por isso os bancos cobram para guardá-lo.
Qual é o problema, então?
Acreditem, embora você não veja isso na imprensa, o maior problema da economia hoje é a falta de demanda de bens e serviços, porque a população não tem dinheiro para comprá-los. E o fato de não ter dinheiro é porque a maioria consegue sua renda na base do trabalho, ou seja, salários ou outras formas de compensação relacionadas com o trabalho. Aí está o ponto decisivo. As rendas derivadas do trabalho (como porcentagem de todas as rendas) vêm caindo, enquanto as rendas do capital vão crescendo. Esse é um problema gravíssimo, mas silenciado e ocultado pelos meios de comunicação. Se você acha que essa teoria é paranoica, tente mostrar onde se lê sobre isso em artigos ou matérias na televisão. Pode haver uma ou outra exceção, mas elas só vão confirmar a regra.
Essa ausência não significa que os jornalistas sabem a verdade e a ocultam. Isso costuma acontecer, mas não é o mais frequente. Na verdade, o que predomina é mais a ignorância, não a manipulação, mesmo nos meios ditos especializados em economia – embora realmente exista os que funcionam pela regra contrária.
É muito fácil ver o que está ocorrendo. Os cortes nas políticas sociais diminuíram a demanda de uma forma substantiva. Hoje, a escassez de demanda é o maior problema na Zona Euro (especialmente no sul da Europa), e é responsável pelo estancamento econômico e o baixíssimo crescimento econômico. Esse estancamento foi causado, por sua vez, pela queda nos investimentos produtivo (na União Europeia, a baixa foi de 8,4% em investimentos no ano 2000 para 6,8% em 2014, enquanto na Espanha, ainda pior, de 7,5% a 5,7% durante o mesmo período). A diminuição do apoio em áreas como a investigação e o desenvolvimento também é bastante notável. Na verdade, as políticas de reformas trabalhistas impulsadas pelos diferentes governos – tanto o PP (Partido Popular, força de direita da qual faz parte o presidente Mariano Rajoy) quanto o PSOE )(Partidos Socialista Operário da Espanha, de centro-esquerda), e inclusive a nova frente de centro-direita chamada Cidadão aplaudiu essas medidas, que tiveram como consequência a queda no valor real dos salários e o aumento da precariedade, e das políticas de austeridade, com cortes realizados e aplaudidos por tais partidos, que tiveram um impacto muito negativo, causando primeiro a grande recessão, e logo atrasando a recuperação econômica.
A sabedoria convencional está mudando?
Os exemplos mais notáveis de atraso se dão devido ao enorme domínio dos meios de informação por parte de forças conservadoras e neoliberais. Tanto a direção do FMI quanto até mesmo o presidente do BCE indicaram que as políticas monetárias são insuficientes, e que o que parece ser a solução é um pacote de medidas fiscais para estimular a economia mediante medidas fiscais.
O que se entende por medidas fiscais é a redução dos impostos, com o que se consideram que estimulará a economia, o que é verdade, mas só até certo ponto, já que as diminuições de impostos, por regra geral, beneficiam mais as rendas superiores que a maioria da população, e os primeiros já têm tanto dinheiro que o que recebem como isenção ou rebaixa dos impostos se transforma em acúmulo, não em mais consumo, ao contrário do que a maioria da população, que não tem tantas posses e gasta quase toda a ajuda extra que recebe.
Logo, a melhor maneira de estimular a economia é dar um giro de 180º, acabando com as reformas contraproducentes que foram impostas à população. Na verdade, o presidente estadunidense Franklin Roosevelt tirou o seu país da Grande Depressão graças a um incremento enorme do gasto público, através de investimentos públicos bastante necessário ao país, o estabelecimento da Segurança Social e o estímulo à sindicalização, para que se aumentassem os salários. Hoje, isso é o que a Espanha necessita, por exemplo. Infelizmente, nem o PP, nem o PSOE, a frente de centro-direita Cidadãos propõem algo semelhante àquilo. As propostas do PSOE não se distanciam o suficientemente das políticas públicas seguidas por seus antecessores, e isso é parte do problema. Hoje, a principal necessidade é estimular a economia através de um aumento notável dos investimentos públicos nas áreas sociais, energéticas e industriais, criando empregos de qualidade. Um aumento importante dos salários, revertendo as reformas trabalhistas para reforçar os sindicatos, ao invés de debilitá-los. Se a Espanha não faz isso, seguirá o mesmo caminho enfrentado pela Grécia, que terminou aceitando a continuidade das reformas neoliberais. E tal mudança das políticas contra o que se indica nos círculos econômicos e políticos, onde se reproduz a sabedoria convencional. Portugal é um exemplo de onde a coalizão governante de esquerda tratou tais políticas. A Espanha poderia ser outro. Na realidade, os dias da austeridade estão contados, pois existe hoje uma rebelião dos países da Zona Euro (vejamos o que acontece na França). Diante de tais políticas, que prejudicam muito as classes populares. A vitória nas próximas eleições e nas internas pode fazer com que, no dia 26 de junho, uma coalizão de partidos progressistas anti-austeridade, seria um passo muito importante para reverter o austericídio presente. Pensem, portanto, que o seu voto pode determinar que se continue com essas políticas desastrosas ou que alguém seja capaz de confrontar tudo.
Vicenç Navarro
* Catedrático de Ciências Políticas e Políticas Públicas pela Universidade Pompeu Fabra, professor de Políticas Públicas da The Johns Hopkins University, ex-catedrático de Economia, da Universidade de Barcelona.
Tradução: Victor Farinelli
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