domingo, 20 de março de 2016

CRISTÃOS E CIDADANIA

OS CRISTÃOS E AS DIFICULDADES PARA EXERCER A DUPLA CIDADANIA!
(Estar no mundo mas não ser do mundo)

Os cristãos, que são, de acordo com a sua fé, simultaneamente justos e pecadores, justos porque foram justificados pela fé no que Cristo fez em favor deles e pecadores

porque continuam a viver neste mundo da mesma forma como os que ainda não tem essa fé. A maioria dentre estes cristãos tem entre as suas muitas dificuldades a de avaliar, entender e julgar os acontecimentos e os seus desdobramentos ideológicos e políticos na sociedade, e em consequência suas ações são muitas vezes equivocadas.

Ensinos bíblicos como "os filhos deste mundo são mais sábios que os filhos da luz" ( Lc 16.8 ), a dificuldade em "ser simples como as pombas e prudentes como as serpentes" (Mt 10.16 ) em aceitar: "o bem que eu quero eu não faço e o mal que eu não quero esse eu faço"(Rm 7.18 ), entre outros, deveria deixar isso bem claro para todos. 

Quais são então as dificuldades que necessitam de reflexão e avaliação? A questão central possivelmente seja o fato, de número significativo de cristãos, arrogarem-se o direito de pensar e julgar movidos pela condição de detentores da fé. Abrigando assim um ar de superioridade, conforme o expressam atitudes e slogans ostentados por muitos como o  "não sou dono do mundo mas sou filho do dono". Concluem assim erradamente de que a fé operada por Deus neles os habilita a serem mais sagazes. É evidente que pela fé se é motivado a buscar dons (1 Co 12), inclusive o do discernimento. Mas não podem iludir-se, dons não os tornam aptos para todas as questões que se apresentam, e muito menos torná-los infalíveis. Apegam-se também a este fato para desqualificar e abominar pessoas, grupos e instituições, e eleger outros que defendem e atribuem crédito tal que os seguem como se cristãos fossem. Encontram-se diversos preceitos bíblicos que não autorizam este raciocínio e atitude. Quando, segundo as palavras de Jesus, devem amar e orar também pelos inimigos, são orientados a terem uma postura de paz e compaixão e não odiar a ponto de desejar-lhes todos os males e até a morte. 

Outro procedimento igualmente grave para cristãos é divinizar ou satanizar pessoas e grupos de acordo com o seu juízo. Os cristãos são pródigos em ver, julgar e apreciar ou depreciar ideologias, partidos políticos e outras organizações. E o fazem, na maior parte das vezes, sem conhecimento de causa, e quando lhes convém depositando neles cegamente a sua confiança. Assim, estando num pais onde as premissas do capitalismo ainda são dominantes, o mesmo é aceito como se fosse cristão e os demais satanizados. 

O exemplo dos cristãos de Beréia que avaliavam se a palavra anunciada até pelos apóstolos estava em conformidade com as Escrituras sobre o que anunciavam sobre Jesus deveria ensina-los a qbuscar nas fontes devidas as informações recebidas sobre partidos políticos e ideologias, que não é a Bíblia, mas a história da sociedade, para saberem que não cabe sair por aí divinizando ou satanizando-os.

Acontece que a maior parte dos cristãos, movidos por análises e interpretações tendenciosas, concluem que no comunismo, no socialismo e em outras ideologias de esquerda, nada de útil se pode encontrar. E por isso os satanizam e os descartam. Não raras vezes isso acontece de tal forma como que seus integrantes já nem merecessem mais ser alvos do Evangelho, o que significa aplicar-lhes já aqui, o juízo definitivo, a condenação eterna.

Aonde teria ficado a ordem de Jesus de amar e orar pelo próximo, também o inimigo, e que só a Deus pertence a vingança? Muitos por não terem clareza sobre o fato de que ideologias não são cristãs em si mesmas, são tão lenientes com o capitalismo, que o consideram tão democrático a ponto de não verem o mal que ele faz também para a fé e a vida cristã. 

Para pensar no que se tornou o capitalismo, segundo estudiosos do assunto, vejam a seguinte afirmação: "Para entendermos o que está acontecendo, é preciso tomar ao pé da letra a ideia de Walter Benjamin, segundo o qual o capitalismo é, realmente, uma religião, e a mais feroz, implacável e irracional religião que jamais existiu, porque não conhece nem redenção nem trégua. Ela celebra um culto ininterrupto cuja liturgia é o trabalho e cujo objeto é o dinheiro. Deus não morreu, ele se tornou Dinheiro. O Banco – com os seus cinzentos funcionários e especialistas – assumiu o lugar da Igreja e dos seus padres e, governando o crédito (até mesmo o crédito dos Estados, (países) que docilmente abdicaram de sua soberania), manipula e gere a fé – a escassa, incerta confiança – que o nosso tempo ainda traz consigo. Além disso, o fato de o capitalismo ser hoje uma religião, nada o mostra melhor do que o titulo de um grande jornal italiano: “salvar o euro a qualquer preço”. Isso mesmo, “salvar” é um termo religioso, mas o que significa “a qualquer preço”? Até ao preço de “sacrificar” vidas humanas? Só numa perspectiva religiosa (ou melhor, pseudo-religiosa) podem ser feitas afirmações tão evidentemente absurdas e desumanas."
 (Afirmação de Giorgio Agamben, em entrevista concedida a Peppe Salvà e publicada por Ragusa News, 16-08-2012.) 

Certamente não precisa-se concordar com tudo o que é afirmado,  contudo, torna-se urgentemente necessário avaliar com profundidade o que está sendo afirmado, para que arrogância, presunção, vaidade e soberba não venham a cegar, a nós cristãos, de tal forma que deixemos de proceder como os cristãos de Beréia, e ao final venhamos a tornar-nos idólatras e condenados como aqueles que, de acordo com o juízo precipitado de alguns cristãos, já estão condenados. 

Oportuno avaliar o que se passa no Brasil nestes tempos quando, de acordo com o interesse do setor da direita, tanto político quanto da grande mídia,  os acontecimentos giram em torno de corrupção, usurpação ou abuso de poder e outras questões do gênero. Diante deste embuste, é enganoso, segundo julgam muitos cristãos, que toda pessoa ou instituição de esquerda, seja ateísta, ditatorial, desqualificada para ser cristã e que não tenha nada de útil para contribuir para a vida em sociedade. E, por outro lado, os da direita capitalista, não serem ateístas e ditatoriais, mas louvados e defendidos como se fossem e agissem de acordo com os princípios democráticos e cristãos.

Observe-se também que um dos pecados muito graves é o daqueles que mesmo não cometendo os exageros, se omitem. E isso tem acontecido frequentemente dentro da Igreja Cristã. Uma das omissões que predomina é quanto ao não estimular os seus fiéis à reflexão sobre os sistemas presentes para que tenham posturas mais solidarias e humanitárias nas questões sociais. Seria por medo?, por conveniência?, por considerar uma premissa teológica?, ou ainda por entenderem que isto seria confundir Igreja e Estado? 

Para essas atitudes ou posturas certamente não encontramos respaldo nem nas Escrituras Sagradas e nem na teologia de reformadores como Martinho Lutero, mesmo levando em conta que ele, por não se omitir, tenha cometido graves erros, conhecidos pela História.  Omitir-se é mais grave do que errar por agir. Será que omitindo-nos podemos viver tranquilos? É grave o fato de não dialogar e nem fomentar a reflexão, no povo cristão, sobre qual pode ser a posição ou direção melhor para o exercício da cidadania e da fé cristã neste mundo. Quando a Igreja, os seus fiéis, principalmente seus líderes, pastores e teólogos se omitem, diz-se e faz-se coisas que não se coadunam com a vida cristã e até se tornam abomináveis para a fé cristã, afetam toda a Igreja e, sem dúvida, a missão cristã. E mais prejudicial é não reconhecer erros, ou quando detectados tentar varre-los para debaixo do tapete. Isso equivale à gols contra. 

Em 2014, na passagem dos 50 anos do golpe de 1964 e a ditadura de 21 anos no Brasil, é oportuno perguntar: como nós nos posicionamos, como reagimos e o que nós dissemos, durante este período? E como estamos nos posicionando , agindo e o que estamos dizendo hoje? Não seria oportuno conclamar os fiéis, especialmente o grande número de jovens, que hoje tem franco acesso aos conhecimentos históricos, a pesquisar o nosso passado e avaliar o nosso presente, para que possam ter, junto com uma sólida orientação e conhecimentos bíblicos, uma atuação cidadã e cristã consciente e não continuem sendo massa de manobra para grupos que defendem seus próprios interesses, fechando-se assim, para eles (os jovens e todos os fiéis), cada vez mais as possibilidades para que possam nortear suas vidas pela máxima em que Jesus sintetizou toda a lei: "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de toda a tua força e todo entendimento e o teu próximo como a você mesmo" (Lc 10.27). E também não tendo condições de exercer sua cidadania plenamente como se espera de um cristão? 

É necessário também que sejam instados a olhar e avaliar com amor, com sensatez e com piedade, próprios da vida e fé cristã, para posicionarem-se o mais adequadamente possível na situação política atual tão conturbada em nosso país e no mundo. Se não for possível posicionar-se do lado "certo", pelo menos do lado menos perverso e iníquo e atuem para que os danos sejam reduzidos e a justiça seja melhor aplicada. Manifestar-se e protestar contra desmandos, injustiças, corrupção e por reivindicações não atendidas e promessas legítimas não cumpridas são absolutamente úteis e normais, quando não estão sendo usados por interesse daqueles que em todos estes princípios são bem piores. 

Agimos como cristãos e cidadãos nesta terra passageira sempre em função de reduzirmos os danos para todos, especialmente os menos favorecidos, os mais fracos e os marginalizados pelos sistemas dominantes opressores. E para tanto precisamos envolver-nos na condução e administração de nossa sociedade, não podendo de forma alguma omitir-nos. Nesse sentido, para participarmos, objetiva e eficazmente na condução e administração de nossa sociedade, seja local, nacional e internacionalmente,  além de não podermos abrir mão do que as Sagradas Escrituras nos ensinam, especialmente os profetas e palavras como: não  sermos néscios, não conformar-nos com este mundo, a andarmos sensata, justa e piedosamente, dar a César o que é de César, não acumular riquezas, etc, precisamos conhecer os sistemas ideológicos, filosóficos, políticos, antropológicos, etc, de toda a sociedade 
 para desempenharmos bem a nossa cidadania terrena. 

O que, conforme afirmado acima, capacita os cristãos, sem terem afetada a sua fé salvadora, a participar na condução e administração das coisas deste mundo e entender melhor questões como:
-  sistemas que até se passam por cristãos mas que assumem o lugar de Deus; 
- acumular riquezas em detrimento da pobreza reinante; 
- auxiliar pobres ser uma forma de fomentar a vagabundagem; 
- pesar entre o valor do capital e da mão de obra; trabalho super valorizado e trabalho desvalorizado; 
- dialogar com o meu próximo, também com o meu irmão na fé, sobre justiça e injustiça, quanto aos bens e seu uso; 
- julgar corretamente o que são direitos e privilégios; 
- avaliar criticamente o que é comunicado por todas as formas de mídia, levando em conta: a intenção, o viés, a nuança, a ênfase, a presunção, a repetição, o corte, a edição, a pretensão de induzir, o engano, e outros detalhes que podem ocultar ou fazer entender que existam fatos com o intuito de induzir ao engano. 

Quando agimos assim com respeito e sem ódio e nem rancor, se cumpre a palavra de Jesus quanto ser "humildes como as pombas e astutos como as serpentes". E se pessoal ou individualmente não conseguirmos chegar a uma conclusão mais convincente para nós mesmos, vamos sentir o quanto se torna útil reunir-nos com outros cidadãos para avaliarmos projetos e analisar problemas, tentando à luz dos acontecimentos e movidos pela solidariedade e amor, frutos da fé cristã, contribuir da forma mais proveitosa e eficaz na condução e administração das coisas de nossa sociedade. Com esta visão vamos não somente avaliar e apoiar mas, engajar-nos nos movimentos que demandarem nossa participação.

Nesse agir estaremos cumprindo nossa responsabilidade como cidadãos e podendo com alegria desenvolver nossa fé e vida cristã, sendo sal da terra e luz do mundo e sendo parceiros ou cooperadores para que Deus realize a Sua Missão no mundo, de alcançar "o pão nosso de cada dia" a todos e acima de tudo, de salvar a nós e a todos os pecadores presenteando-nos a vida eterna através da obra redentora de seu Filho, nosso Salvador Jesus Cristo. 

Escrito em Janeiro de 2014 / Reformulado em Janeiro 2015 
Egon Starosky



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