quinta-feira, 30 de julho de 2015

FE CRISTÃ COM VISÃO ABERTA!

FUNDAMENTALISTAS, REFLEXÕES TEOLÓGICAS, DIREITISTAS .....HUMANIDADE, ETC"
Annie Dillard e Soren Kierkegaard
Cap. 10 do livro: Alma Sobrevivente
de Philip Yansey

"Soren Kierkegaard descrevia-se como um espião, um homem ímpio que fica de olho em vários personagens suspeitos, inclusive ele mesmo. A polícia, dizia ele, faz um bom uso de pessoas astutas que podem desco brir qualquer coisa, seguir uma pista e revelar segredos. Em certo senti do, todo escritor trabalha na espionagem, tomando notas, observando particularidades que todo mundo despreza, escarafunchando o mundo em busca de pistas. Para um escritor de assuntos de fé, trabalhar numa cultura secular complica muito esta tarefa. Escrever livros que apa recem em livrarias cristãs para serem lidos apenas por membros de igrejas exige pouca astúcia; escrever livros de fé para leitores que pos suem apenas vestígios de órgãos sensoriais, isto sim, requer um tipo particular de perspicácia.
Annie Dillard nunca nega sua identidade, mas também não con ta a história inteira. Ela conhece seu público e a si mesma. Lembrei-me da analogia que Kierkegaard fez de um espião não muito tempo atrás, quando encontrei um artigo que Dillard escreveu para o The Yale Review, nos idos de 1985. "Cantando com os fundamentalistas" recorda o tempo quando ela lecionou na universidade em Bellingham, Washington. Bem cedo, certa manhã, ela ouviu um canto e olhou por sua janela, vendo um grupo de alunos reunidos em volta de uma fonte.

Sei quem são esses alunos: são os fundamentalistas. Este campus tem uma porção deles. De manhã, eles cantam na praça, e esta é sua única atividade perceptível. O que eles estão cantando? Seja o que for, quero me juntar a eles, pois adoro cantar. Não importa o assunto, pois quero estar ao lado deles, pois sou atraída pelo próprio absurdo de vê-los não se importando com o que as pessoas pensam. Meus colegas e alunos daqui, além de amigos de todo lugar, não gostam dos cristãos fundamentalistas e até os temem. E possível que você nunca se encontre com algum deles, mas certamente já ouviu falar sobre o que eles fazem. Guardam dinhei ro, votam em bloco e elegem aqueles direitistas malucos. Fazem censura a livros, carregam armas. São contra o flúor na água potável e a Teoria da Evolução nas escolas. É bem possível que eles linchassem pessoas, se pudessem ficar impunes diante deste ato. Não estou certa de que meus amigos ajam corretamente. Deixo minha caneta de lado e uno-me aos meus colegas na praça.

No resto do artigo, Dillard relata o que aprendeu cantando com os fundamentalistas às 8h45 durante todas as manhãs da primavera. Ela estuda as revistas que esses alunos lêem - Christianity Today, Campus Life, Eternity - e descreve aqueles que conhece. São alunos brilhantes, longe de serem ignorantes. Lêem a Bíblia, assim como livros sobre teo rias da Literatura. Alguns apóiam os democratas modernos; outros, os republicanos modelados. No meio do artigo, Dillard reproduz a letra das músicas que eles cantam, entre elas:

Dai louvores ao Rei
Cantando aleluia
Ele é o Rei dos reis

E

Ele é a minha paz,
Aquele que derrubou todos os muros (...)
Lance sobre ele seus cuidados,
Pois ele cuida de você-ê-ê-ê

E

Seja glorificado, Senhor
Em minha vida, em minha vida hoje

E

Fartar-me-ei da abundância de tua casa
Descansarei ao lado dos ribeiros da justiça
Tu és o meu Rei
Entrai por suas portas com ações de graças
e nos seus átrios, com hinos de louvor
Ele é o Rei do reis
Tu és o Senhor

Dillard revela por que gosta de cantar com os fundamentalistas por toda a primavera: "Eles vêm praticamente pela mesma razão que eu: cada um tem uma relação particular com o Senhor, e, por causa disto, é capaz de suportar um monte de coisas".
Mesmo para um espião, é uma enorme proeza trabalhar a letra de oito diferentes canções de louvor num jornal intelectual publicado pela Univer sidade Yale. "Quase desmaiei quando eles viram o trabalho", disse-me Dillard, mais tarde. "Na verdade, a cada dia estou me revelando um pouco mais."A partir das cartas que recebo e dos comentários que ouço em festas e lançamentos de livros, chego à conclusão de que as pessoas têm uma visão romântica da vida de um escritor. Essas pessoas nunca esti veram ao lado de um escritor que fica parado 15 minutos diante de um dicionário de sinônimos em busca de uma única palavra. Devido ao pró prio trabalho, os escritores levam uma vida solitária. Trabalhamos sozi nhos, fugindo de qualquer distração, e criamos nossa própria realidade particular, explorando-a e domesticando-a até que chega o momento quando o editor começa a instigar outras pessoas a trabalhar conosco -momento em que, naturalmente, estamos felizes, construindo outra realidade falsa. Na maior parte das vezes, o mundo que criamos é muito mais interessante do que aquela triste realidade na qual vivemos.
Às vezes, tenho a impressão de que minha vida de escritor se sobres sai à minha vida real. Fico pensando: Se eu não escrevesse, será que eu chega ria mesmo a existir? Como posso saber o que penso ou sinto sem abrir meu computador e começar a escrever sobre aquilo? Lembro-me de um dia em que trabalhava em uma pequena história numa manhã bem cedo. Por três horas, esforcei-me para desenvolver personagens tridimensionais, tirando todos os clichês de seus diálogos. Iniciante na ficção, estava ficando com uma terrível dor de cabeça por causa do esforço. Natural mente, usava isto como desculpa para parar de escrever, atravessar a rua e tomar um café. Imagine minha surpresa ao descobrir que todas as pessoas da cafeteria eram personagens bidimensionais, que falavam usando clichês! Nenhuma daquelas pessoas parecia-me tão interes sante quanto as pessoas que povoavam minha história. Corri de volta para a segurança de minha falsa realidade que me esperava (e so mente a mim) no meu escritório no porão."

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