domingo, 19 de julho de 2015

GANDHI E O MUNDO HOJE!

GANDHI, E O MUNDO HOJE!!!

"Quando um som está muito alto, às vezes é mais fácil discerni-lo por meio de seu eco.

A profunda sensibilidade de Gandhi gradualmente tomou forma como uma doutrina bem estabelecida. Violência contra outro ser hu mano, mesmo direcionada a um soldado atirando contra uma multidão desarmada, contrariava tudo que ele acreditava sobre a dignidade uni versal humana. Você não pode mudar a convicção de uma pessoa por meio da violência, acreditava. A violência brutaliza e divide: ela jamais reconcilia. Se algum de seus seguidores tornava-se violento durante suas campanhas, Gandhi pedia que ele se retirasse. Nenhuma causa, por mais justa que fosse, justificava derramamento de sangue. "Eu morreria pela causa", afirmou, "mas não existe causa pela qual eu esteja preparado para matar".


Especialistas em ética, políticos e teólogos continuarão a discordar so bre onde e quando a força armada é justificada. Mas depois de Gandhi, ninguém pode negar o poder da não-violência de promover mudanças. Afinal, ela trouxe liberdade à segunda nação mais populosa da Terra.

John Ruskin foi um escritor cristão, e Gandhi reconhecia que, cm certos aspectos, a Igreja cristã havia mostrado o caminho para o res peito à dignidade humana. Alguém que visitasse a Índia encontrava hospitais, orfanatos, leprosários e escolas destinadas aos excluídos e mantidas por missionários cristãos. Mas nós, aqui no Ocidente, ainda estamos aprendendo a diferença entre atos de caridade e a tarefa mais difícil, que é mudar a percepção que uma pessoa tem de si. Com freqüên cia, nossa motivação tem sabor de paternalismo (a notar pelos termos "excluídos" ou "subclasse"). Eu, o instruído e rico americano, estendo minha mão compassiva para ajudar você a melhorar. Vemo-nos como aqueles que estão do lado de Cristo simplesmente por estarmos doando algo aos necessitados. O Novo Testamento deixa claro, porém, que Jesus está ao lado dos pobres, e que serviremos mais adequadamente se ele varmos os excluídos à posição de Jesus.

"Vejo a face de Jesus disfarçada", dizia Madre Teresa, referindo-se aos mendigos moribundos que ela convidava à sua casa em Calcutá. "Às vezes, um disfarce desolador." Como Gandhi, ela entendia que a motivação da caridade não é a condescendência, mas a ascendência: ao servir o pobre e fraco, temos o privilégio de servir o próprio Deus.
Gandhi empenhava-se muito em se identificar com o pobre, removen do quaisquer barreiras que pudessem afastá-lo. A todos que estiveram na Índia, preciso mencionar apenas um exemplo da disposição de Gandhi: sua insistência em viajar na terceira classe dos trens. Ele era capaz de sentar-se em bancos duros, abarrotados de lavradores sujos e seus animais, uma experiência de estar cercado por uma enorme quanti dade de pessoas, ruído, imundice, e odores, inimaginável para a maioria dos ocidentais. "Por quê?", perguntaram-lhe certa vez. Sua resposta foi: "Porque não existe a quarta classe". (Comparo esta atitude com meu próprio entusiasmo quando reúno um número suficiente de milhas para ganhar um upgrade para a classe executiva numa companhia aérea.)

Gandhi não tinha amor inato algum ao sofrimento, e foi bastante assertivo em suas lutas iniciais pelos direitos pessoais na África do Sul, depois de ter sido expulso de uma cabina na primeira classe por causa da cor de sua pele. Mas quando ele adentrou nas sagradas escrituras do hinduísmo, do islamismo, do budismo e do cristianismo, ficou convenci do de que a humildade de um servo é uma das posturas exigidas por Deus. Somente então ele se livrou de suas roupas européias, desfez-se de bens materiais e buscou companhia junto aos pobres e sofredores. "Um líder", disse ele, "é somente um reflexo dos seus liderados".

Gandhi não permitiu que ninguém de importância interferisse em seu estilo. Quando lorde Mountbatten ofereceu um lugar em seu avião particular para viajar até o lugar de uma importante reunião, Gandhi preferiu sua passagem de terceira classe, como de costume. Ele provo cou certo escândalo ao visitar a Inglaterra para se encontrar com o Par lamento e o rei George. Chegou debaixo de grande festa e cobertura da imprensa, e a nação perdeu o fôlego quando ele desceu a prancha bambo leante do vapor usando apenas uma tanga de algodão e levando uma cabra, seu suprimento de leite, presa numa corda. Rejeitando ofertas para ficar nos melhores hotéis, ele preferiu ficar numa favela de East End. Quando os repórteres pediram que ele explicasse como ousava se encontrar com um rei estando "seminu", Gandhi respondeu com um sorriso: "O rei estava usando roupas suficientes para nós dois".

Nos dias de hoje, a filosofia de Gandhi parece singular e arcaica. Ele indicou uma varredora de rua dos intocáveis para o cargo mais alto do país e passou grande parte de seu tempo em favelas e leprosários. Em contraste a isso, nós, no Ocidente, valorizamos os bilionários das empre sas pontocom e as maravilhosas top models. Para correr atrás de uma bola num campo qualquer, pagamos a um atleta profissional mais dinheiro do que o necessário para montar e fazer funcionar dezenas de hospitais em países como a Índia. Enquanto isso, muitos dos moradores de fave las no Ocidente - com luz elétrica, água corrente e outros luxos inimagináveis na área rural da Índia - vivem num estado de ganância, ressentimento e inquietude. Ao exaltar o rico, o bonito e o poderoso, o que fazemos com a dignidade daqueles que não atingem estes padrões? E o que podemos aprender de um Gandhi, uma pessoa que escolheu outro caminho?

A mensagem cristã que ganha a maior exposição nos dias atuais no mundo ocidental segue a corrente cultural. Ela oferece o apelo "Deus tem algo de bom guardado para você", e apresenta a promessa de auto-satisfação. A afirmação de Jesus acerca de achar-se quando se perde (Mt 8:35) é convenientemente desprezada. Uma teologia baseada no sucesso pode funcionar razoavelmente bem nos Estados Unidos sim plesmente porque os recursos da nação são muito grandes. Mas uma teologia desse tipo tem pouco a dizer aos cristãos da China, Indonésia ou Irã, onde a fé cristã implica sofrimento.
No estudo que fez sobre o Novo Testamento, Gandhi encontrou o conselho de buscar a verdade de todo o coração, não esperando nada, não obstante os resultados. Ele costumava cantar um poema indiano enquanto caminhava entre as plantações de arroz na época em que seu próprio povo o perseguia: "Se eles disserem 'não' ao seu chamado, cami nhe só, caminhe só". Em países como os Estados Unidos, francamente, esta mensagem não vende.


Ontem interrompi este capítulo para passar uma hora procurando arrumar o controle remoto da porta de minha garagem. Tive outra frus trante interrupção tentando configurar o programa de fax do computador. A bateria do meu celular descarregou. Percebi, num momento, quanto minha vida era governada por coisas materiais. Posso justificar, ou pelo menos racionalizar, muitas dessas posses, pois elas me ajudam no meu trabalho. Mas qual é a atenção que dou ao ensino de Jesus sobre o perigo de alguém ganhar o mundo inteiro e perder sua alma? Devo admitir que o estilo de vida de Jesus tinha muito mais a ver com o de Gandhi do que com o meu.

Gandhi tinha suspeitas quanto à tecnologia moderna. Acreditava que as pessoas que possuíam carros, rádios, geladeiras cheias e muitas roupas no armário poderiam se tornar psicologicamente inseguras e mo ralmente corrompidas. Ele conhecia bastante sobre conservação de solo para entender que a terra da Índia não toleraria algumas poucas déca das do abuso provocado pela agricultura tecnológica (em 150 anos, o Estado norte-americano de Iowa perdeu mais áreas cultiváveis do que a Índia em cinco mil anos). Tinha perguntas sobre o tempo que as fontes de energia durariam. Além disso, Gandhi disse que continuaria a reco mendar o uso de vacas até que fosse inventado um trator que pudesse produzir leite, iogurte e adubo. Ironicamente, a ênfase na simplicidade veio de escritores ocidentais - Tolstoi, Ruskin e Thoreau -, os quais o convenceram de que as riquezas eram um fardo e que somente a vida de trabalho era digna de ser vivida. Gandhi deu o nome Fazenda Tolstoi à sua primeira comunidade, em homenagem ao romancista.

O Ocidente - e a Índia, especialmente por esta questão - ignoraram Gandhi. O capitalismo governa no mundo inteiro, e a sociedade cujo tecido econômico depende de crescimento constante exige que seus cidadãos tenham necessidades de consumo e desejos de gasto constantes. Se dez milhões de seguidores de Gandhi, com a mais alta das motivações, decidissem simplificar suas vidas, renunciando a seus carros novos, usan do roupas fora de moda, plantando sua própria comida e eliminando aparelhos elétricos, o resultado seria o caos econômico, e milhares de pessoas perderiam seus empregos. Era exatamente este dilema que Gandhi queria evitar na Índia. No Ocidente, seria necessário alguém com a mesma força de um Gandhi para mudar o dogma estabelecido do PIB sempre crescente. É possível que sejamos forçados a mudar nossos modos esbanjadores um dia, quando o solo estiver exaurido, as fontes de água tiverem secado, as calotas polares tiverem derretido e todos os poços de petróleo estiverem secos. Mas a crise vai esperar mais uns 50 anos ou mais; deixaremos estes problemas para a geração que ainda nem nasceu.

Como jornalista, vejo um padrão perturbador naquilo que fazemos com os líderes religiosos atualmente. Premiamos a todos com aplauso, fama, atraentes contratos e uma enxurrada de convites de discursos e aparições na mídia. Fazemos com que nossos pastores trabalhem como psicoterapeutas, oradores, sacerdotes e altos executivos. Quando um líder demonstra perspicácia acima da média, acenamos com a tentação de um programa de rádio ou de televisão completo, com uma máquina de levantamento de fundos para tocar a organização. Em resumo, nós, de dentro da Igreja, copiamos descaradamente o modelo secular de propaganda enganosa da mídia e do crescimento da corporação. Fico pensando em quão mais eficazes seriam nossos líderes espirituais se os encorajássemos a reservar as segundas-feiras como um dia de silêncio para reflexão, meditação e estudo pessoal.

Mahatma Gandhi sabia que o único poder moral que exercia sobre os outros viera daquilo que ele mesmo já dominava. Certa vez, uma mulher de sua vila trouxe-lhe seu filho e pediu a Gandhi que dissesse à criança para parar de comer açúcar, pois aquilo não era bom. Ela disse que o filho não lhe dava ouvidos, mas que ouviria a Gandhi. "Traga o garoto de volta na semana que vem e eu falarei com ele", disse Gandhi. Uma semana depois, a mulher voltou com seu filho. Gandhi tomou o menino em seus braços e disse que ele não deveria comer qualquer açú car. Então, disse adeus aos dois. A mãe hesitou um pouco e perguntou: "Mas, Bapu, por que o senhor precisou esperar uma semana? Não po deria ter falado na semana passada mesmo?" Gandhi respondeu: "Não. Na semana passada, eu ainda estava comendo açúcar."




No desejo de incentivar meus amigos cristãos de Nova Délhi, trou xe-lhes à lembrança a declaração de Gandhi de que o insight para os problemas do mundo deve vir do Oriente, e não do Ocidente. "Precisa mos ser a mudança que queremos ver", disse Gandhi. Implorei a eles que tomassem o que de melhor seu continente poderia produzir, al guns dos ideais que atraíam Gandhi, e traçassem suas raízes cristãs. Eles poderiam desafiar minha nação de uma maneira que eu, como norte-americano, não poderia fazer, como mostrado pelo fato de que alguns jovens dos Estados Unidos às vezes ouvem sobre Gandhi antes de ouvir sobre Jesus. "O mundo pode ser receptivo a esta mensagem", disse eu.
Um jovem indiano bastante pensativo, que ficou sentado durante toda a discussão, falou o seguinte: "Não entendo. Parece que você está dizendo que o Ocidente, de modo geral, é receptivo a um santo, alguém como Gandhi, que se levanta defendendo idéias distintas da cultura em que vive. Mas será que a Igreja é receptiva? Você disse que o cristia nismo norte-americano nunca produziu um santo que caminhasse nas linhas traçadas por Gandhi. Todos os líderes são muito diferentes dele. Parece que você está concluindo que, se Gandhi se levantasse numa igreja dos Estados Unidos hoje, ele não seria levado a sério; seria tal vez até ridicularizado e rejeitado. E, ainda assim, todos esses cristãos dizem que adoram a Jesus Cristo. Por que eles não o rejeitam? Ele viveu uma vida simples, pregou o amor e a não-violência, recusou-se a se comprometer com os poderes deste mundo. Pediu a seus seguidores que carregassem as suas cruzes e suportassem os sofrimentos. Por que os cristãos norte-americanos não o rejeitam?"
Foi uma excelente pergunta, para a qual eu não tenho resposta.
Apedrejar profetas e, mais tarde, levantar igrejas em sua memória tem sido a prática do mundo durante eras. Hoje, adoramos Cristo, mas o Cristo encarnado nós o crucificamos.
(Mahatma Gandhi)" 

Do livro: ALMA SOBREVIVENTE,
De: Philip Yansey

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