sábado, 15 de novembro de 2014

POLITIZADOS!?!?!

PRECISAMOS SER MAIS POLITIZADOS!

Para isso nossos ouvidos precisam ouvir as vozes que não sejam apenas as da "grande?? mídia"!

Revista Fórum

 A PERIFERIA E AS VOZES QUE PRECISAM SER OUVIDAS

Na rica cena cultural periférica, uma revolução silenciosa está em marcha, e certamente não será noticiada pela mídia tradicional
Por Marcelo Hailer, Ivan Longo e Vinicius Gomes
Juca Ferreira na mesa de abertura do seminário
“Talvez as periferias sejam os locais mais culturalizados da cidade. Há uma quantidade enorme de saraus, cinema, ativistas culturais, uma quantidade enorme. No entanto, não há reconhecimento e visibilidade. É preciso abrir as portas para essa cultura da periferia para que contamine a cidade.” A fala do secretário municipal de Cultura de São Paulo, Juca Ferreira, reflete uma situação comum a muitos centros urbanos no Brasil. A diversidade de manifestações culturais que não aparece na mídia tradicional ou nos antigos canais de expressão representa uma cena efervescente que nem sempre chega a toda sociedade.
Ferreira falou na abertura do seminário A Periferia no Centro: Cultura, Narrativas e Disputas, organizado pela revista Fórum, em parceria com a prefeitura de São Paulo e apoio do SpressoSP, Museu de Arte Moderna (MAM) e IG. O objetivo do encontro foi discutir as formas como a população periférica tem criado suas narrativas para dar visibilidade a demandas e pautas urgentes para romper os muros que separam a periferia do centro.
Essa separação já foi rompida com algumas experiências citadas no evento, como o fenômeno dos rolezinhos, que trouxe a reflexão a respeito da inserção dos jovens em determinados espaços e da inclusão de uma forma geral. A representante do MAM, Daina Leyton, falou sobre um dos efeitos dessa mobilização no parque do Ibirapuera, localizado em uma região central da capital paulista. “Nós temos aqui um ‘rolezão’, com cerca de 2 mil jovens. E notamos que havia uma disputa ali, então criamos um diálogo com esses jovens, criamos um projeto que visa dialogar a cultura popular e a contemporânea, com o objetivo de democratizar e ocupar o espaço. Um espaço de ‘bem-vindas as diferenças’ e não de intolerância. Isso é muito importante.”
Integrantes da primeira mesa do evento debateram as redes e as ruas
Redes, ruas e vozes
O sentimento de pertencimento ao local em que se vive, que está relacionado à produção de cultura local, foi um dos temas abordados por Thiago Vinicius, da Agência Solano Trindade. Sobre a cultura periférica como método de “afirmação” de território, ele disse: “Isso é uma questão super importante, pois se antes o Campo Limpo, o Jardim Ângela e o Capão Redondo [bairros da zona Sul de São Paulo] formavam o triângulo da morte – como os locais mais perigosos do país –, hoje ele é o triângulo da cultura da periferia”.
Se a invisibilidade é um dos problemas enfrentados por quem produz cultura nas regiões não centrais, a questão é ainda mais grave em relação à mulher. Semayat Oliveira, do coletivo Nós, Mulheres da Periferia, questionou: “Cadê as histórias dessas mulheres que saem de casa para trabalhar, cuidam da casa e da família dos outros e depois têm de voltar para cuidar da sua casa e de seus filhos?”. Por conta do preconceito, da estrutura machista da sociedade, da jornada dupla, do racismo, entre outros fatores, a mulher negra, maioria na periferia, se torna muito mais marginalizada.
A “cidade dividida”, onde uns são apartados de direitos básicos e do acesso a serviços públicos, foi uma das questões abordadas pelo coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos. “Existe um setor que lucra com a cidade – imobiliária e construção – e com isso a maioria perde, pois não consegue acessar esse mercado”, apontou. Para ele, a especulação imobiliária acaba anulando os efeitos positivos de outras iniciativas como os programas sociais e o aumento do salário mínimo. A consequência, de acordo com ele, é que uma pessoa acaba saindo de um bairro já periférico para morar até em outra cidade. “Surge uma periferia da periferia”, concluiu.
A lógica de separação entre regiões centrais e não centrais também se baseia na perpetuação do preconceito, que se manifesta também na cena cultural. Para Theles Henrique, um dos representantes da Liga do Funk, o ritmo está presente em 100% das comunidades periféricas e por isso ultrapassa a classificação de apenas gênero musical, sendo “um movimento cultural de gueto, como foi o samba”. Segundo ele, um dos objetivos da Liga é que o funk seja, de fato, reconhecido como movimento cultural, pois a sociedade ainda o enxerga como algo ligado ao crime e ao tráfico de drogas. “O funk tem também um poder mobilizador dos jovens que se encontram em vulnerabilidade social”, sustentou.
Outro ponto importante levantado por diversos participantes foi o cerceamento imposto pela mídia tradicional. Comentando sobre a Mídia Ninja como um veículo de comunicação que disputaria essa narrativa jornalística, Pablo Capilé avaliou “que nunca bastará, sempre será necessário fazer mais” De acordo com ele, depois de sair de Cuiabá e vir para São Paulo com o coletivo Fora do Eixo, eles se depararam com duas narrativas prontas. “Se a gente desse errado, a gente era os caipiras ‘caga-regra’ que vieram de uma cidade pequena para a cidade grande, não deram conta e foram embora. Se a gente desse certo, como deu, era ‘alguma coisa de errado esses caras fizeram para conseguirem fazer tudo isso’”, disse.
Segunda mesa discutiu a violência nas regiões periféricas
As redes como alternativa
A internet também é uma importante ferramenta para transformar a realidade das periferias do Brasil. Não só por conta da capacidade de mobilização que oferece, mas pela visibilidade que confere a histórias e narrativas normalmente escondidas pelos veículos da mídia tradicional. A violência que histórica e diariamente acomete essas regiões é um exemplo disso.
Nos últimos dois anos, foram diversos os casos envolvendo abusos policiais que atingiram repercussão nacional por conta da rede. O desaparecimento do auxiliar de pedreiro Amarildo Dias Souza, assassinado por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha, em julho de 2013, ganhou destaque por conta da campanha “Cadê o Amarildo?”. O menino Douglas Nascimento, de 17 anos, morto por PMs em outubro do ano passado no Jaçanã, zona norte de São Paulo, ficou conhecido pela campanha “Por que o senhor atirou em mim?” – pergunta que fez a seu algoz antes de morrer. A auxiliar de limpeza Claudia Ferreira da Silva, baleada por policiais militares no morro do Macaco, Rio de Janeiro, no último mês de março, e depois arrastada por uma viatura por 250 metros, também foi tema de ação na internet, cujo mote era “Todos somos Claudia”.
Douglas Belchior, coordenador da UNEafro Brasil, destacou que a articulação em rede é fundamental para furar o bloqueio que a imprensa tradicional impõe em relação a assuntos como este. “O que tem de informação mais próxima da realidade só existe por conta da nossa imprensa, que nós alimentamos”, disse, referindo-se aos veículos alternativos e de mídia livre. Para ele, os oligopólios de mídia existentes no Brasil ajudam a invisibilizar e perpetuar o sofrimento da população negra, segregado durante 514 anos de história. “Se tem um povo nesse país que teria motivos para ter ódio, que teria motivos para sair atirando, esse povo é o povo negro. E essa população nunca, em nenhum momento, sequer pediu um ‘empate’. Nossa elaboração histórica sempre foi que queremos que a riqueza produzida por esse país possa ser dividido por todos. O nosso papel como órgãos e como instrumentos de comunicação, nesse sentido, é fazer frente ao discurso que legitima o genocídio da população negra”, completou.
O advogado Silvio de Almeida, presidente do Instituto Luiz Gama e professor da universidade Presbiteriana Mackenzie, é ainda mais enfático nesse sentido: “Enquanto não houver reforma dos meios de comunicação, não haverá democracia”, declarou. Dennis de Oliveira, professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), ressaltou, ainda, que a mídia, como instituição, passa por uma crise, ligada ao fortalecimento da internet. “As pessoas cada vez mais estão dando nenhuma bola para ela. Isso por que hoje informação circula sem a necessidade dessa mediação”, considerou.
Débora Maria Silva, fundadora e coordenadora do movimento Mães de Maio, relacionou o papel propagador do discurso hegemônico que tem a mídia tradicional ao assassinato sistemático a que é submetida a população negra, pobre e periférica no Brasil. Ela já sentiu na pele os efeitos dessa violência institucional: perdeu o filho Edson durante a série de assassinados que ficou conhecida como “Crimes de Maio”, levada a cabo em maio de 2006 por policiais militares do estado de São Paulo. “Quem está por trás do genocídio da população negra é quem tem o dinheiro e a lei. É o ‘capitão do mato’. Temos que ter união. Se o Estado não nos deixa dormir, por que vamos deixá-lo sossegado?”, afirmou.
Mesa final discutiu a disputa de espaços na periferia
A esquerda e a periferia
Incompreensão. Para muitos dos participantes do seminário, esse sentimento é nutrido por parte da sociedade que não consegue ou não se esforça para entender a realidade da periferia, em geral vista sob as lentes do preconceito. Mesmo partidos e movimentos à esquerda do espectro ideológico enfrentam dificuldades nessa relação. “A esquerda não entende a periferia, não adianta ir lá de quatro em quatro anos. E ainda teve gente que foi lá pra dizer que a periferia esta alienada, votando na direita… Agora, esses amigos que apareceram nesses três meses sumiram. Tem muito revolucionário pra pouca Cuba”, comentou o poeta Sérgio Vaz, da Cooperifa.
Manifestações culturais também são vítimas desse olhar enviesado. O rapper Crônica Mendes falou sobre como ele e os seus companheiros de música eram e ainda são marginalizados. “Ninguém via a gente como agitador cultural e nem articulador de cultura, éramos taxados de marginais e bandidos”, criticou Mendes. “Não existe movimento rap, o rap é apenas um grão de uma cultura chamada hip-hop… E eu sobrevivi aos anos 1980, 1990 graças aos rap”, comentou Mendes. “Hoje a periferia vive uma efervescência cultural, ficou pequena para nós e é por isso que estamos ocupando o centro da cidade”, finalizou.
Bruno Ramos, da Liga do Funk, também reclamou do tratamento dado ao estilo musical, defendendo que boa parte do caráter alienante que atribuem às letras de funk é reflexo da forma como a sociedade se estrutura. Desta forma, seria compreensível a presença da apologia ao consumismo, como ocorre nas canções do”funk ostentação”, que tem conquistado espaço entre adeptos do ritmo. “A culpa não é do funk, esse consumo está aí há décadas. O problema é a ausência do poder público que não quer fomentar as nossas ideias”, criticou.
O blogueiro da Fórum e escritor Allan da Rosa falou sobre o que entende por disputa pelos espaços. “Disputa: a questão é de classe, de raça e de gênero. Essa é a disputa”, disse, questionando: “E como vamos disputar o espaço editorial com editores racistas?”. Para ele, é necessário criar uma intersecção entre o saber popular e o acadêmico. “Disputar espaços é propor samba e geografia”, analisou.
Organizadora do Guia Cultural da Periferia e membra da Ação Educativa, Elizandra Souza contou a história do coletivo que fundou, Mjiba, que teve o seu nome inspirado em guerrilheiras da Namíbia. Tratou também da divulgação cultural pelos meios de comunicação, que privilegia um tipo de produção em detrimento de inúmeros outros. “O mapeamento da cidade que eu tenho é outro, que não vai estar no Guia da Folha”, ironizou.
Ao fim do evento, a certeza de que o diálogo entre as várias pessoas e coletivos que produzem cultura nos centros urbanos e também fora deles é uma necessidade. E o poder público precisa também estar atento a todas essas manifestações, pois é ali que o novo está nascendo. Na rica cena cultural das periferias, uma revolução silenciosa está nascendo, e certamente não será noticiada pela mídia tradicional.


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